Fragmentos da mente

Fragmentos da mente corresponde a um conjunto de textos, eleitos entre tantos outros, que espelham os pensamentos, emoções e diferentes fases da minha vida. A tentativa de poetizar, recorrendo à prosa, diferentes ideias que surgem no natural decorrer do quotidiano. Estes são os fragmentos da minha mente.


Tentativas

Tentei escrever depois de me ter esquecido de como é que se espelha em palavras algo tão impossível de materializar como os pensamentos. Tentei escrever depois de ter parado de o fazer durante tanto tempo por medo de quem não era, quem fui outrora, de quem sou agora. 

A dor de não se ser ninguém, ao mesmo tempo que se tenta tanto ser alguém é maior do que qualquer outra que possa surgir nesta falha constante que é viver. A vontade de sentir tudo, seja a mais mundana felicidade de sentir os lençóis da minha cama ou a mais intensa ansiedade de pensar no que é amar, levou-me ao extremo da loucura, da intensidade, da idade. Uma alma velha e cansada presa no corpo de uma jovem cada vez mais amargurada pela realidade que lhe é apresentada, diariamente, nas paredes da sua mente. Olho para ela e penso para onde é que foi, onde é que se escondeu: se detrás da memória de um amor perdido ou da falta dela. Pobre coitada, deitada nos braços de um homem invisível que a abraça com as mesmas mãos que a magoam, que a ama com os mesmos lábios com que a trai. Há coisas no amor que não têm razão e ainda bem que assim são. 

Não quero descobrir aquilo que se esconde por detrás da fria melancolia que me faz chorar à espera, à porta de tua casa, pelo amor que nunca antes foste capaz de me dar. Não quero descobrir o que me move por essas ruas escuras, que me fazem perder a lucidez, que me perturbam a vista, que me fazem deixar de ver a razão. Não quero encontrar a felicidade se nela me perco e me cego pela luz que me ilumina. Não quero perder a visão pela escuridão nem pela claridade. Não quero ser lua, não quero ser sol. Não quer uma coisa ou outra. Não quero o extremo porque é difícil voltar dessa sensação. Não quero ser feliz. Não quero ser triste. Não quero amar em demasia. Não quero ser irracionalmente amada. Não quero sentir o formigueiro na barriga. Não quero sentir o peso da minha alma. Não quero ser o ser que sente. Não quero ser a materialização da emoção. Não quero ser eu, mas quero. Não quero ser tudo mas quero. Não quero querer ser este ser tão profundo. Não quero querer ser mais do que isto. Não quero ser mais, mas quero. Não quero perder-me a querer. 

Quero. Que me deixem ser, mas que não me façam escolher. Porque não quero saber o que querer. Eu só quero voltar a escrever.



A memória no sabor

Aquele sabor a quotidiano enche-me a memória. Aproximo a chávena dos meus lábios e anseio por mais um pouco daquela sensação que me enternece a manhã. Cada um daqueles grãos outrora de outra qualquer pessoa, avistam caminhos que esta pobre mente já não consegue perspetivar. Criam-se sonhos naquela mistura que cria aquela simples bebida: o mundo é capaz de mudar e a felicidade é um conceito real. Visitam-se sítios que o terreno corpo quer sentir e encontram-se pessoas que já não podem ou devem ser encontradas. São minutos nos quais se vive mais do que nunca. São curtos espaços de tempo que se estendem pelo dia e que suscitam em mim a ânsia de reviver a invisível irrealidade que se torna necessária para suportar a normativa realidade. 

A ambição de ser alguém nunca passou pelo que se escolhe beber rotineiramente nas chuvosas ou solarengas manhãs, no entanto, não existe nada que me faça desejar mais o dia que está por vir. Resume-se o meu futuro ao mundano local em que posso sentar-me, calmamente, no princípio de qualquer dia, a beber essa mistura de quem sou, fui e quero ser? Se assim for, esta sensação será a mais próxima que sentirei desse expoente máximo do bem-estar que tanto desejamos alcançar. Sempre fui do quotidiano agitado pela minha constante inquietude de ser e não penso que serei, alguma vez, diferente. E é naquele tão poético sabor que me encontro, para me poder perder na vida a que não pertenço. Há mais café?



Texto destacado no Torneio de Escrita na Nextart

Obscuro Amanhecer

Amanhece, as cores do meu quarto permanecem imóveis, tal como as deixaste naquela tarde solarenga de inverno. Olho pela janela, na esperança de te conseguir ver, mas sei, perfeitamente, que a tua sombra já não habita o meu jardim. Levanto-me, procuro, nestes impiedosos corredores, pela memória que aconchega a minha rotineira vida. Sento-me, bebo, com o meu habitual vagar, um gole de café e deixo de lado as lembranças que insistem em preencher a alma de quem não te consegue ver e o estômago de quem se alimenta do vazio que deixaste. 

Levanto-me, outra vez, na esperança de teres encontrado a chave que perdeste quando me abandonaste e de, eventualmente, teres voltado a encontrar o caminho até à casa que outrora foi tua. Saio, deixo para trás a chave, não consigo voltar a ver o bege da parede que testemunhou o desajeitado encontro da minha alma com a tua. 

Saio porque não quero voltar a lembrar-me de ti. Saio porque não é possível viver agarrada à sensação de ser pela metade. 

Saio porque saíste. Escrevo-te porque me abandonaste. Escrevo-te porque te abandono. Escrevo-te. Lembro-te. Esqueço-te.  

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